Arte visual da carioca Brígida Baltar

Centro Cultural BNB COMENTÁRIOS

Arte visual da carioca Brígida Baltar se mistura ao Brasil das olarias populares do Cariri cearense

“A cidade dá a ilusão de que a terra não existe” (Robert Smithson)



Artista visual brasileira de renome internacional, a carioca Brígida Baltar já expôs em 15 países de três continentes – Ásia (Japão), Europa (Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Portugal e Suíça) e América (Argentina, Colômbia, Cuba, EUA, México, Uruguai e Venezuela). Atualmente em temporada de trabalho em Fortaleza, Brígida Baltar apresenta à cidade a exposição individual “e agora toda terra é barro”, com curadoria do também carioca Marcelo Campos, professor-doutor em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A abertura da exposição acontece hoje (terça-feira, 24), às 19 horas, no Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza (rua Floriano Peixoto, 941 – Centro – Térreo – fone: (85) 3464.3108). Gratuita ao público, a mostra fica em cartaz até 30 de dezembro deste ano (horários de visitação: terça-feira a sábado, de 10h às 20h; e aos domingos, de 10h às 18h). E agora toda terra é barro (texto do curador Marcelo Campos) “A cidade dá a ilusão de que a terra não existe” (Robert Smithson). Brígida Baltar quando diz “pó” quer dizer, “minha casa”. Retirados inicialmente das paredes de sua própria moradia, o pó de tijolo da casa de Baltar percorreu outras terras, se transformou em minitijolos unindo as frestas do chão de galerias londrinas, espalhou-se em padronagens de ladrilhos hidráulicos de espaços na Argentina, criou cantos, florestas e parquets nos museus de São Paulo e Rio de Janeiro. Nos projetos de terra da artista, há aproximações com a produção de Michael Heizer, Walter de Maria, Robert Smithson. A terra foi usada na arte dos anos 1960 e 1970 para quebrar a primazia da razão. Agora, Brígida Baltar se mistura ao Brasil das olarias populares de Juazeiro do Norte (CE). Realiza ações com os oleiros, misturando o pó de casa ao solo do Cariri. Constroi tijolos, interessando-se tanto pela paisagem das olarias nas clareiras das matas, quanto pelo processo low tech. Porém “um mundo frágil e fraturado cerca o artista”. Assim, Brígida poetiza a terra, a imensidão, sempre atenta ao detalhe, ao que está ao alcance das mãos. Manipula “ferramentas estúpidas”, como nos termos de Heizer, seja por se inserirem em processos arcaicos (fôrmas de madeira para tijolos), seja por se destinarem a objetivos impossíveis (coletar orvalhos e neblinas). Ela busca uma certa invisibilidade, aproximando objetos e espaços ao seu próprio corpo, tal qual vemos nas imagens de Francesca Woodman. Aceitam-se os contrários, o paradoxal. Na viagem para Juazeiro, a artista queria a terra seca e rachada do sertão e encontrou um ambiente lamacento. Resolveu então nos fazer conscientes da instabilidade dos objetos e da natureza, ativando nossa observação para estados de transformação. A vontade pelos projetos de terra criou uma troca imediata com a região sertaneja. E essa troca aconteceu efetivamente quando Brígida, numa manhã de janeiro, encontrou o ofício dos oleiros na estrada de Taquari. À primeira vista, as olarias de Juazeiro se assemelhavam a cidades inacabadas ou construções míticas. Havia uma “grandeza primordial” naquelas imagens que nos colocava diante de miragens. Pareciam concomitantemente castelos e ruínas. Um aspecto “singularmente selvagem” desenhava as olarias do Cariri. Novamente, Brígida se colocava diante de paredes, cercas, limites (afinal, a neblina também é parede na paisagem). O interesse se renovava em ações simples. Brígida Baltar faz dela mesma linha de encontro e simbiose, na casa, nas margens dos lagos sertanejos, nos limites das estradas serranas, nas copas das árvores, à beira-mar. “O deserto é menos natureza do que conceito, um lugar que engole as fronteiras”. Na imaginação sobre o sertão desértico, as fronteiras perdem seu significado. Em Juazeiro, Baltar operou uma “consciência de deserto”. Menos destruição e abrasamento e mais construção, possibilidade de convivência com a natureza local, açudes, lagos. Como projeto de terra, Brígida trabalhou com a observação direta, atenta, cuidadosa sobre um ambiente natural e culturalmente complexo. O encontro com Juazeiro do Norte coloca Brígida Baltar na frequência espaço-temporal de um Brasil interiorano, mas não menos dinâmico, vivo, pulsante. Chegar em Juazeiro e encontrar a construção de tijolos toscos, é vivenciar lugares quase utópicos. Estamos em terras brasileiras. [Brígida Baltar e Marcelo Campos conversam na tarde do dia 4 de Julho de 2008] [M] Brígida, você se interessa por trabalhar com tijolos desde quando? Quais ações são feitas com o pó de tijolo? [B] Acho que a primeira ação foi transformar o tijolo da casa que eu vivi em pó. Isso aconteceu em meados dos anos 1990. Foram muitos tijolos e algumas paredes. Isso foi se traduzindo para mim num sentido de desaparecimento de algo que, a princípio, é bastante sólido. Afinal a idéia de propriedade pode ser muito fixa e estável. É como se em pó a casa pudesse viajar para outros lugares. E depois este pó podia também servir para outros fins, outras construções, outras paisagens. Fiz minitijolos moldados deste pó e daí intervenções em frestas, espaços vazios, pequenas ocupações, pequenos ofícios como você gosta de dizer. [M] A terra é matéria-prima e o tijolo também, pois é estrutural, elementar. O sertão é visto, muitas vezes, como matéria-prima para o Brasil. Parece que estamos diante de algo atávico. Mas, isso é ficção, é tentativa de mitificar origens. [B] O tijolo mesmo em pó será sempre tijolo, é sempre estrutura, porque esta noção já vem colada à matéria. Acho que por isso ando fazendo construções. As florestas que desenho, por exemplo, são construções, assim como os pequenos chãos de parquet. Fiz dois livros que chamei “Devaneios” e “Utopias”. Por serem livros-tijolos, é como tornar estas idéias possíveis ou concretas. A natureza do sertão foi mesmo matéria para mim. Fui para lá ver a paisagem, a terra, o chão, algo bastante elementar para o nosso imaginário que precisa das mitologias. [M] Estou vendo construções por todo lado, na “Art in America”, em trabalhos do Oriente Médio etc. Você já tratou de utopias. Algumas vezes, de maneira quase inevitável, a política tangencia sua produção? [B] Acho que sim, mas de uma forma não tão evidente. Eu tenho gostado de trabalhar com o “menos”, no sentido do não-espetacular, do mais efêmero, que pode ser alguma coisa agora e se desmanchar depois. E quando eu penso em formas mais definidas da obra, como as florestas em pó de tijolo, as paisagens em geral ou os livros, acho que vem junto um sentido responsável ou positivo mesmo. [M] Mas a construção tem seus avessos. O mundo desmorona a todo instante. Talvez a atitude política deva vir do pequeno, mesmo. Beuys dizia, a revolução somos nós. [B] Bom, estamos agora adorando estas imensas olarias. Elas ficam bem estranhas na paisagem. Parecem casas meio tribais, ou castelos. Foi você que disse que o título deste texto poderia ser castelos ou ruínas. É boa esta idéia e acho que sintetiza bastante nossa alegria neste projeto. [M] Smithson comenta que os processos de construção pesados, mais rudes, têm um tipo devastador de grandeza primordial, às vezes mais interessante do que o projeto acabado. [B] É, isso dá vontade de levar a olaria inteira para dentro da galeria e pronto. A beleza daquela simplicidade. Aqueles tijolos brutos secando ao sol. Hoje, há tentativas de voltar a fazer as casas com o barro cru, como as de pau-a-pique ou estuque. Parte da Muralha da China foi produzida com tijolos sem queima, assim como cidades inteiras na África e em regiões desérticas. Sem falar da nossa tradição. E essas casas mantêm a temperatura ideal, não queimam carvão, não consomem energia. É bonito pensar que a casa pode voltar a ser terra novamente desta maneira. Eu adoro isso, são casas vivas, como plantas, que nascem e morrem. [M] E se chove então? Há sempre uma ameaça. [B] A base tem que ser bem estruturada, com pedras e o telhado firme. A Monica Soffiatti, uma amiga, gosta deste assunto e ainda frequenta oficinas experimentais em ecovilas. Ela costuma dizer que uma boa casa de barro suporta as tempestades. É como estar de botas e chapéu... [B] Marcelo, eu tenho uma pergunta: não consigo ver a aproximação que você fez no seu texto, da minha experiência com terra, com as obras de Walter de Maria, Michel Reizer e Smithson...eles são todos “imensos”! [M] Brígida, ainda que as escalas sejam diferentes, os trabalhos são poeticamente relacionados: o uso da terra, a noção de natureza e paisagem atemporais, as tais "ferramentas estúpidas”, toscas: mochilas de plástico-bolha, fôrma para tijolos. Você não faz Land Art, mas fez uma ação na natureza, à beira de um lago, no meio do sertão. Walter de Maria enchia um quarto de terra, você retirou a terra em pó das paredes e anda espalhando terras pelos lugares em que expõe, realizando brocados, desenhos etc. É como uma Land Art feita à mão. [B] Que boa essa resposta... [M] E como foi seu encontro com Juazeiro que, aliás, é nome de uma árvore? [B] Foi o impacto de imaginar um lugar, de seca, de cactos, de terra rachada e encontrar uma mistura de muitas outras realidades, de uma natureza também úmida que me impressionou e me fez mergulhar na terra barrenta e ainda uma cidade de comércio intenso, camelôs, lan houses e devotos por toda parte. [M] E diante das olarias? Há desafios, parecem esfinges, decifra-me ou te devoro. Você planejou ações, performances, fotografias? Como fazer para aquilo se transformar em arte? [B] Eu fiz uma ação muito simples, moldei 16 tijolos. ENTREVISTAS E INFORMAÇÕES ADICIONAIS: · Brígida Baltar – (21) 8863.8494 / 2245.9978 – baltar.brigida@gmail.com · Marcelo Campos (curador) – (21) 8829.6617 / 2259.0941 – campos.marcelo@gmail.com · Jacqueline Medeiros (coordenadora de Artes Visuais do CCBNB) – (85) 3464.3184 / 8851.5548 – jacquerlm@bnb.gov.br · Luciano Sá (assessor de imprensa do Centro Cultural Banco do Nordeste) – (85) 3464.3196 / 8736.9232 – lucianoms@bnb.gov.br

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